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Crédito: divulgação/Colégio Positivo |
Por Michelle Cristina Norberto Martins*
A série Adolescência (Netflix) traz à tona reflexões essenciais sobre os desafios vividos por nossos jovens e pela sociedade contemporânea. A escola, a família, a presença constante das telas, o bullying, a violência e o desrespeito às regras são apenas a superfície de um problema mais profundo: o distanciamento afetivo entre adultos e adolescentes. Diante disso, algumas perguntas se tornam inevitáveis para pais, professores e profissionais da educação: Eu realmente conheço este adolescente que convive comigo? Ele se sente seguro para dividir suas dúvidas, dores e inseguranças comigo?
O que torna a série ainda mais perturbadora é o fato de não retratar uma família desestruturada, negligente ou violenta. Ao contrário, vemos uma realidade muito próxima da considerada "normal": pais presentes, um adolescente inteligente, carinhoso, aparentemente tranquilo. E, mesmo assim, algo falha — e falha de forma silenciosa. Isso revela a importância de um olhar atento, da escuta ativa e da construção de um vínculo afetivo que vá além da convivência rotineira. Porque o verdadeiro perigo mora no invisível: nos silêncios prolongados, nas portas fechadas, no “está tudo bem” que escondem tempestades.
A série nos lembra que os adolescentes, quando não encontram espaço de acolhimento no ambiente familiar ou escolar, buscam respostas e validação no ambiente digital. Lá, encontram um universo caótico, em que as regras são outras e a vulnerabilidade muitas vezes é explorada. O personagem que se tranca no quarto e ignora os pedidos da mãe para desligar os eletrônicos. O filho do investigador que, com mensagens despretensiosas pela manhã, escondia o medo de ir à escola. Ambos lançaram sinais — não explícitos, mas evidentes para quem estivesse disposto a observar com atenção e empatia.
A adolescência é um período de intensa transformação, mas o vínculo afetivo e o diálogo não devem começar nessa fase — devem ser cultivados desde os primeiros anos de vida. Só assim conseguimos construir uma base sólida de confiança, na qual o adolescente se sente acolhido e não julgado. A presença dos adultos não pode ser apenas física, precisa ser emocional. É preciso escutar com o coração, sem interromper, sem minimizar, sem antecipar respostas. Observar mudanças sutis no comportamento pode ser o primeiro passo para oferecer ajuda antes que a dor se transforme em crise.
Na minha atuação com escolas e famílias, percebo que muitos conflitos poderiam ser prevenidos com um diálogo mais constante e uma escuta mais generosa. Ser referência para um adolescente exige esforço, paciência e, acima de tudo, disponibilidade genuína para estar presente — mesmo quando ele parece não querer isso.
Para quem deseja se aprofundar nesse tema, indico duas leituras indispensáveis: A Fábrica de Cretinos Digitais, do neurocientista Michel Desmurget, que alerta sobre os impactos das telas no desenvolvimento infantil; e O Adolescente e a Internet: Laços e Embaraços no Mundo Virtual, de Cláudia Prioste, que analisa as relações afetivas e identitárias dos jovens no ambiente on-line.
Não se trata apenas de entender os adolescentes, mas de construir, com eles, uma ponte em que o amor, o cuidado e o diálogo possam atravessar os abismos que o mundo moderno insiste em criar.
*Michelle Cristina Norberto Martins, psicóloga especialista em Psicologia Educacional, coordenadora de Orientação Educacional e da Educação Inclusiva do Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) dos colégios da Rede Positivo.