A subjetividade do Direito que leva o Estado a indenizar o contribuinte com seu prĂ³prio dinheiro

*Por FlĂ¡vio Christensen Nobre

 

FlĂ¡vio Christensen Nobre

 

A cena se repete e parece que poucos se dĂ£o conta dela: um brasileiro Ă© condenado em primeira instĂ¢ncia por um suposto crime – porque as provas sĂ£o fracas ou inexistentes –, entĂ£o, a segunda instĂ¢ncia o absolve. Por ter seu nome, sua vida, carreira e sabe-se o que mais abalados pelas decisões antagĂ´nicas, o rĂ©u solicita que seu prejuĂ­zo material ou moral seja ressarcido pelo Estado, que responde por isso utilizando o dinheiro dos impostos. Em resumo, o Estado pagou o salĂ¡rio do juiz, do promotor, do desembargador e dos demais agentes que praticaram os atos jurisdicionais e, por fim, ainda indeniza o rĂ©u com o dinheiro com o qual ele mesmo contribuiu para manter essa mĂ¡quina girando.

E por que todo esse contrassenso acontece? Pela subjetividade do Direito, pelas interpretações divergentes – ainda que sobre a mesma materialidade dos casos – , pela falta de provas e fragilidade de alegações e testemunhas. Se houvesse, por parte dos agentes envolvidos, mais investigaĂ§Ă£o e denĂºncias sustentĂ¡veis, os cofres pĂºblicos nĂ£o sofreriam para arcar com indenizações e a energia dos funcionĂ¡rios pĂºblicos envolvidos poderia ser dispendida em situações que realmente se fazem necessĂ¡rias.

Quem leu atĂ© aqui deve achar que eu estou falando especificamente das anulações de condenações do ex-presidente Lula ou da indenizaĂ§Ă£o que o ex-coordenador da OperaĂ§Ă£o Lava-Jato Deltan Dallagnol foi condenado a pagar a ele por causa de uma entrevista coletiva realizada fora dos padrões tĂ©cnicos exigidos pela autoridade da lei. NĂ£o estou.

Todos os dias, acontecem situações que expõem a fragilidade das nossas instituições e do JudiciĂ¡rio, que precisa da atenĂ§Ă£o e do entendimento de seus representantes para que nĂ£o ocorram tantas divergĂªncias de entendimento.

Um caso que acompanho, por exemplo, diz respeito a um erro mĂ©dico, que nĂ£o aconteceu. Na Ă¢nsia de encontrar um culpado pelo falecimento de uma criança recĂ©m-nascida, a promotoria do estado nĂ£o exigiu as perĂ­cias necessĂ¡rias para que se avaliassem as condições do bebĂª na hora do nascimento. Uma perĂ­cia particular, paga pela famĂ­lia do mĂ©dico que foi rĂ©u do processo, porĂ©m, mostrou que a criança jĂ¡ nasceu sem vida. NĂ£o houve erro mĂ©dico, ele foi inocentado. Nada obstante, todo o desgaste sofrido decorrente dos processos que tramitaram nas esferas cĂ­vel e criminal da Justiça, alĂ©m do processo disciplinar aberto contra o profissional no Conselho Regional de Medicina do Estado de SĂ£o Paulo, abalou a carreira, a vida pessoal e o futuro desse brasileiro, que passou vĂ¡rios anos de sua vida tentando se defender de um crime que nĂ£o cometeu. Agora, o Estado o indenizarĂ¡ com o dinheiro de seus – e dos nossos – impostos. Mas, como recuperar a dignidade e a vida desse profissional?

Outro caso que se mostra repleto de erros foi o que aconteceu durante a "OperaĂ§Ă£o Caça-Fantasma", deflagrada na CĂ¢mara Municipal de Osasco, em 2016, que apenas agora chega Ă  segunda instĂ¢ncia.

Naquele ano, 14 vereadores e seus assessores, num total de 219 pessoas, foram denunciados sob alegaĂ§Ă£o de rachadinha e nomeaĂ§Ă£o de assessores-fantasmas. Para resumir a histĂ³ria, os vereadores tiveram suas prisões preventivas decretadas em dezembro de 2016, ficando 24 dias presos e sendo soltos apĂ³s o pagamento de fiança.

O que ocorre Ă© que o direito penal tem uma regra bĂ¡sica: a individualizaĂ§Ă£o das condutas do denunciado, sendo que o Ă³rgĂ£o acusador tem a obrigaĂ§Ă£o legal e institucional de apresentar a conduta de cada rĂ©u com as reprimendas customizadas, de forma individual, de acordo com a culpabilidade de cada um, na medida exata do dolo ou culpa, de forma cirĂºrgica. E, ao contrĂ¡rio disso, o que se viu foi o uso da mesma tese de acusaĂ§Ă£o para todos os vereadores e assessores denunciados.

Se houve, de fato, algum crime cometido, ele nĂ£o foi provado. Mais uma vez, denĂºncias sem provas, alegações e testemunhas frĂ¡geis deram o tom da operaĂ§Ă£o, cujos processos agora chegam Ă  segunda instĂ¢ncia e jĂ¡ hĂ¡ a absolviĂ§Ă£o de alguns vereadores e assessores, enquanto outros processos ainda nĂ£o foram transitados em julgado. Um dos rĂ©us, por exemplo, foi inocentado pelo TJSP pela inexistĂªncia do fato, ou seja, ele foi considerado inocente – e outros jĂ¡ foram absolvidos por faltas de provas.

Como eu disse anteriormente, a Justiça precisa de um olhar atento aos seus agentes, para que o Direito seja exercido com mais tĂ©cnica, rigor e respeito aos rĂ©us. NĂ£o se deve exigir o cumprimento de penas excessivas ou insuficientes, mas justas. E nĂ£o se pode julgar pela subjetividade, mas pela elucidaĂ§Ă£o de fatos.


*FlĂ¡vio Christensen Nobre Ă© advogado especializado em Direito Penal EconĂ´mico.

 

Sobre a banca Christensen Nobre Advogados

Christensen Nobre Advogados Ă© uma banca composta por especialistas em Direito Contencioso e Consultivo, Tribunal Arbitral, Penal EconĂ´mico, IncorporaĂ§Ă£o ImobiliĂ¡ria, Trabalho, Empresarial, SocietĂ¡rio, TributĂ¡rio e Empresarial.

Ă€ frente do escritĂ³rio estĂ¡ o Dr. FlĂ¡vio Christensen Nobre, que hĂ¡ 20 anos atua nas mais variadas Ă¡reas do Direito.

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