Opinião: Navegar é preciso, viver não é preciso



*José Pio Martins

“Navigare necesse, vivere non est necesse.” Essa frase em latim, título deste artigo, é atribuída ao general romano Pompeu (106-48 a.C.), e ele a teria dito a seus marinheiros para ordenar que, apesar da grande tormenta, suas naus deveriam partir em direção a Roma, levando o trigo carregado na Sicília, na Sardenha e na África. A frase foi transmitida ao longo dos séculos, a começar pelo filósofo e historiador Plutarco (46-120 d.C.) em biografia sobre Pompeu, depois pelo poeta italiano Petrarca (1304-1374), até chegar a Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa (1888-1935), tido por muitos como o maior poeta da língua portuguesa, ombreando com Camões, foi educado primeiro na língua inglesa, quando estudava em uma escola irlandesa, na África do Sul. Foi em inglês que ele escreveu suas primeiras obras. Comumente referido como poeta, Fernando Pessoa foi também empresário, inventor, filósofo, ensaísta, crítico literário, tradutor e comentarista político. Era um homem de inteligência superior, um gênio.

Embora vários usos tenham sido dados a frase-título deste artigo, ela encerra um ensinamento essencial: a vida é provisória e finita, mas, enquanto nela estamos, temos de navegar e, na dificuldade, levantar a cabeça, enfrentar os obstáculos, trabalhar, estudar e realizar. Nestes tempos de pandemia e isolamento social, em que imperam angústia e depressão, incertezas e apreensão, é preciso navegar sem perder a esperança de que todo o mal vai passar.

Muitos a pandemia levou, e por eles devemos lamentar. Aos familiares que a perda castigou, como no poema de Fernando Pessoa, devemos dizer que navegar é preciso, extraindo forças da necessidade de seguir, enquanto vida houver. Trabalhar, melhorar e servir a quem de nós necessita. Realizar algo bom faz a vida valer a pena. Quando dotada de um propósito, a vida tem um significado.

Nestes tempos de pandemia e isolamento social, em que imperam angústia e depressão, incertezas e apreensão, é preciso navegar sem perder a esperança de que todo o mal vai passar.

Não é fácil ser atingido pelas perdas e conseguir superá-las. Seja na perda de um ente querido, perda do emprego, da renda, suportar as consequências exige força e resistência física e mental. Na marinha, falam que é na turbulência que se conhecem os bons marinheiros. Assim é também na vida de um modo geral.

Certa vez, fui convidado a falar para jovens sobre o desemprego. O público era bem mais jovem do que eu imaginava. Gastei poucos minutos desfilando três ou quatro informações econômicas sobre desemprego, e pedi licença para falar-lhes sobre a vida de um homem: Viktor Frankl (1905-1997), neuropsiquiatra austríaco, escritor e criador da logoterapia (terapia do sentido).

Frankl, nascido em Viena (Áustria), era de origem judaica. Em 1939, ele obteve visto para morar nos Estados Unidos, e foi aconselhado a ir embora, porque Hitler houvera invadido a Áustria no ano anterior e ele, como judeu, corria sérios riscos. Apesar disso, ele optou por continuar em Viena, junto de seus pais. Em 1940, ele passou a dirigir o setor de neurologia do Rothschild Hospital, destinado a pacientes judeus.

Em 1941, Frankl se casou com Tilly Grosser; ela ficou grávida, mas os nazistas a obrigaram a abortar e, em 1942, ambos foram presos e enviados com seus pais para o campo de concentração de Terezin, ao norte da cidade de Praga. Ali, seu pai não resistiu e morreu. Em 1944, Viktor Frankl, sua esposa Tilly e sua mãe foram levados ao campo de concentração de Auschwitz para serem executados.

A mãe de Frankl foi assassinada na câmara de gás; a esposa Tilly foi mandada para o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde acabou morrendo com apenas 24 anos de idade. Esse campo tornou-se famoso, porque ali morreram Anne Frank e sua irmã, Margot Frank. Frankl acabou enviado para a prisão de Kaufering e sob grande sofrimento ele adoeceu, mas continuou escrevendo sobre o sentido da vida, até que em 27 de abril de 1945, dois dias antes do suicídio de Hitler, tropas norte-americanas libertaram o campo de concentração, e ele se salvou.

Ao retornar a Viena, em agosto de 1945, Viktor Frankl descobriu que sua mãe, seu irmão e sua esposa haviam sido assassinados. Ele perdeu tudo. Ele não tinha mais nada. Mas ele estabeleceu um propósito: ajudar pessoas a superar a dor e o sofrimento, e escreveu o livro Em Busca de Sentido, até hoje uma obra de sucesso. Frankl dedicou sua vida a trabalhar no que seria a primeira ciência sobre o sentido da vida.

Diante daqueles jovens angustiados pelo desemprego, gastei meus 40 minutos contando um pouco sobre a vida de Viktor Frankl, que viria a morrer aos 92 anos, em 1997, tendo deixado um legado para a humanidade: o sentido da vida com propósito é o melhor remédio contra a dor e o sofrimento, e também contra o tédio.

 

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.


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